Comissão Especial da Câmara dos Deputados pode votar esta semana um
projeto de lei que pretende modificar o sistema de registro, controle e uso
de agrotóxicos e insumos agrícolas similares no país. De acordo com a proposta em
discussão na Casa, a lei atual de agrotóxicos pode ser revogada para
simplificar o processo de autorização da produção e comércio dos produtos no
país.
Na última semana, o
parecer apresentado pelo relator Luiz Nishimori (PR-PR) provocou intenso debate
na Casa. Em seu relatório, o deputado propõe que a legislação não se baseie
mais na noção de “perigo”, mas que se faça uma avaliação de risco à saúde
humana a partir do exame do limiar tóxico ou da dosagem de substância tóxica
contida no produto.
A partir desse tipo
de avaliação, o registro dos agrotóxicos ficaria vedado para produtos que
apresentarem risco considerado “inaceitável” para a saúde humana e o meio
ambiente. Algumas entidades alertam que dessa forma a proposta reduz a
possibilidade de proibição uso dos agrotóxicos em função da periculosidade dos
produtos.
O projeto ainda
propõe a mudança do termo agrotóxico agrícola para produtos fitossanitários,
definidos no texto como “agentes físicos, químicos ou biológicos, destinados ao
uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos
agrícolas, nas pastagens ou na proteção de florestas plantadas, cuja finalidade
seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação
danosa de seres vivos considerados nocivos”.
Para os agrotóxicos
não agrícolas, o texto também cria o termo “produtos de controle ambiental”,
destinados à proteção de ecossistemas, como florestas nativas e ambientes
hídricos contra pragas e doenças. Segundo o relator, o uso do termo agrotóxico
é inadequado por se tratar de uma palavra depreciativa e que não é mais usado
em outros países. O projeto também refuta o termo pesticida, pois significa
“enfermidade endêmica que mata”.
Sob o argumento de
simplificação e desburocratização dos procedimentos de registro dos defensivos
agrícolas, o projeto especifica que só os princípios ativos dos produtos, e não
o nome comercial dos insumos, seriam registrados. A proposta cria ainda o
registro e autorização temporários para produtos que já sejam usados em, pelo
menos, três países para culturas similares ao Brasil e adotem os princípios da
legislação internacional de saúde, alimentação e meio ambiente.
O substitutivo de
Nishimori reduz os prazos de registro e restringe o controle do uso de produtos
fitossanitários ao órgão federal responsável pela agricultura. Aos órgãos
federais de meio ambiente caberiam o registro e fiscalização dos produtos
chamados de controle ambiental.
Ao Ministério da
Saúde, o projeto prevê a responsabilidade de “apoiar tecnicamente” os outros
órgãos competentes no processo de investigação de acidentes e enfermidades
decorrentes de atividades com agrotóxicos, entre outras atribuições. A
avaliação de risco à saúde humana apresentada pelos requerentes dos produtos
também será submetida ao órgão federal de saúde.
Todo o processo de
submissão à análise e registro é dispensado para produtos destinados
exclusivamente para exportação, segundo o substitutivo. No caso do ingresso de
agrotóxicos importados, o registro também poderá ser liberado em caráter
temporário, caso haja a declaração de estado de emergência fitossanitária pelo
poder executivo em função de risco de praga já existente ou não no país.
Críticas
O Brasil é
considerado o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Segundo boletim anual
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), em 2016 o Brasil produziu mais de 510 milhões toneladas de
ingredientes ativos para agrotóxicos e importou mais de 420 milhões.
Por ser um dos
produtos centrais para o modelo atual de produção agrícola no país, a mudança
na legislação é defendida pelos produtores rurais. Os agricultores argumentam
que a legislação de registro e uso de pesticidas está muito defasada no Brasil
e que a modernização da lei atual, que é de 1989, pode aumentar a produtividade
e competitividade econômica do país.
Em defesa do projeto,
entidades do setor agrícola abriram uma campanha chamada “Lei do Alimento mais
Seguro”. A mobilização visa convencer os parlamentares a aprovar as mudanças na
legislação atual para os defensivos agrícolas e destacar que os produtos são
importantes para combater as pragas na lavoura e garantir a qualidade dos
alimentos para o consumo humano.
“Nós estamos há mais
de dois anos nessa comissão, já fizemos audiências públicas em todo o Brasil,
já foram ouvidos todos os segmentos da sociedade. Estamos com uma legislação
arcaica, atrasada em 30 anos. A tecnologia se moderniza, avança e temos que
estar de acordo com o que está surgindo de novo no mundo”, disse o deputado
Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), integrante da Frente Parlamentar da
Agropecuária.
Parlamentares da
frente ambientalista contestam o argumento do crescimento econômico e declaram
que o projeto não pode flexibilizar a legislação para privilegiar os interesses
do setor econômico em detrimento da vida humana.
“Nós somos contra a
aprovação deste projeto, porque ele vai aumentar os casos de câncer, de má
formação fetal, inclusive podendo gerar mutações genéticas, desenvolvendo novas
síndromes e novas doenças no Brasil pela liberação, pela facilitação do
uso de agrotóxicos. Trata-se, por isso, de um projeto que foi denominado pela
sociedade civil brasileira de pacote do veneno. O Brasil, que já é um dos
maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, quer facilitar ainda mais a
utilização desses produtos que tão mal fazem à saúde humana”, disse o deputado
Alessandro Molon (PSB-RJ).
Órgãos ambientais, de
saúde e até do Judiciário se manifestaram ao longo da semana contra o projeto
por considerarem que diminui as garantias de proteção à saúde. Em nota, o
Ibama avaliou em uma nota técnica que as mudanças propostas na Câmara são
“inviáveis ou desprovidas de adequada fundamentação técnica e, até mesmo,
contrariam determinação Constitucional”.
Sobre a proposta de
mudança do termo agrotóxico para produto fitossanitário, o Ibama, que hoje é
responsável por avaliar o nível de periculosidade dos agrotóxicos para o meio
ambiente, argumenta que os agricultores deveriam reconhecer os produtos mais
como tóxicos e perigosos do que como meros insumos agrícolas para que tenham
mais cuidado na utilização. “A toxicidade é uma característica inerente à
grande maioria dos produtos destinados ao controle de pragas e doenças, por
ação biocida. Assim, o termo agrotóxicos contribui para essa caracterização”,
diz a nota.
A Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), que já produziu diversos estudos sobre os efeitos nocivos dos
agrotóxicos, também emitiu nota pública criticando o projeto de lei. Para a
Fiocruz, a proposta “significa um retrocesso que põe em risco a população, em
especial grupos populacionais vulnerabilizados como mulheres grávidas, crianças
e os trabalhadores envolvidos em atividades produtivas que dependem da produção
ou uso desses biocidas”.
A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) se manifestou principalmente contra o ponto do
projeto que centraliza o controle dos agrotóxicos no Ministério da Agricultura.
Para a agência, que é o órgão responsável por avaliar os níveis de agrotóxicos
nos alimentos que chegam ao consumidor e reavaliar as condições de toxicidade
de produtos que já tem registro, o projeto, da forma como está, falha na
disponibilidade de alimentos mais seguros ou novas tecnologias para o
agricultor, além de enfraquecer o sistema regulatório dos agrotóxicos nos país.
“O substitutivo
apresentado desvaloriza todo o trabalho de monitoramento realizado pela Anvisa
e pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), que coleta alimentos
nas redes atacadistas e varejistas, locais cujo escopo de atuação da
agricultura não alcança, para verificar os níveis de agrotóxicos presentes nos
alimentos consumidos pela população”, diz a Agência em nota.
Integrantes da
bancada ambientalista querem que seja realizada uma audiência pública para
ouvir representantes dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da
Saúde antes da apreciação final do projeto. Os oposicionistas também anunciaram
que farão dura obstrução ao andamento do projeto na Câmara.
Sérgio Luís de Carvalho – Ecólogo,
Professor Adjunto do Departamento de Biologia e Zootecnia da Faculdade de
Engenharia de Ilha Solteira, FEIS/UNESP.